24 de setembro de 2016

Os comandos.


    As últimas semanas têm sido particularmente profícuas em casos aos quais o Direito, nomeadamente o Penal, é chamado a intervir. Bem como o fiz aquando da agressão a um jovem adolescente, e no seguimento de uma conduta que adopto, procurarei ser discreto nas apreciações e nos comentários a um episódio recente que está em processo de investigação.

    Todos, inevitavelmente, fomos alguma vez confrontados com a velha máxima de que "o homem faz-se na tropa". O serviço militar, que actualmente não tem carácter obrigatório em Portugal, assume uma conotação vincadamente misógina. Prepara os homens para as adversidades, testa-lhes os limites. Tratando-se de tropas especiais - de elite - como os comandos, a exigência redobra. É importante que tenhamos presente o seguinte: aqueles jovens são preparados para a guerra, que não temos, felizmente, mas que poderemos vir a ter. E num campo de batalha há mortos, feridos, incontáveis perigos, situações em que o ser humano vê o fim da vida diante dos seus olhos. Compreende-se a dureza dos exercícios e das provas; todavia, não se concebe que morram na instrução, se, quanto muito, justificar-se-iam as suas mortes lutando em defesa da Pátria.

     Fazendo fé no que ouvimos e lemos, e que nos tem chegado através de fontes internas do Exército, de militares, aqueles homens estão sujeitos a condições extremas: água racionada, privações de sono, de alimentação; física e psicologicamente extenuantes. Não sou médico, estando, no entanto, tentado a dizer que é impossível suportar todo esse rigor, acrescendo a ele uma temperatura ao sol intolerável sob esforço físico. Morreram dois rapazes e outros tantos estiveram hospitalizados.

     Sabemos que há um código de honra entre os militares, não sendo, por isso, de estranhar que haja uma tentativa para, de certa forma, minorar o sucedido. Houve uma leva de baixas naquele dia. Os instruendos foram transportados para uma tenda e apenas horas depois foi accionado o INEM, ou seja, é notório que tudo se fez para evitar que aquelas ocorrências chegassem ao conhecimento de uma unidade de cuidados de saúde civil. Presumindo que aqueles homens estão aptos à frequência dos cursos, terá havido negligência médica, um diagnóstico falhado? Terão os exercícios excedido, muito embora tenhamos presente a natureza do esforço e o contexto em que se produziu, o humanamente tolerável? Questões em aberto que um inquérito, que faço votos para que isento e célere, tentará responder.

     Não afasto a hipótese de estarmos perante dois casos que fundamentem a tutela penal, confirmando-se as suspeitas e atestando-se a veracidade das declarações que alguns militares prestaram em anonimato. Pelo que soube, o Ministério Públicou abriu um inquérito para apurar as circunstâncias da morte destes recrutas, a par do que já decorre por parte do Exército e levado a cabo pela Polícia Judiciária Militar. E ficar-me-ia por aqui.

     Os novos cursos de comandos estão suspensos, como sucedeu no passado, e estas mortes tão-pouco são um inédito. Exige-se firmeza, treinos adequados e vigorosos, contudo no respeito pela dignidade humana. Um militar deve, acompanhando a destreza física, manifestar um espírito de solidariedade e de humanidade irrepreensível na relação com superiores e subordinados. Deverá procurar ser um homem e um militar exemplar, evitando ao máximo qualquer abuso de poder que lhe advenha da sua posição hierárquica privilegiada.


12 comentários:

  1. Estes acontecimentos fazem-me lembrar os exercícios que ocorriam no filme G.I. Jane, com a Demi Moore.

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    1. Hmm, hei-de ver. Creio que nunca vi esse filme.

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    2. Se ainda não viste, recomendo-te. é muito bom e mostra a dura realidade dos treinos dos Seals. A Demi Moore faz o papel de uma mulher que pretende entrar nesse universo, na altura completamente fechado ao universo feminino.

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    1. Quando as pessoas não se comportam como tal...

      um grande abraço.

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  3. Os Sargentos e Capitães deveriam ser enforcados porque gastam dinheiro ao Estado e não o Servem. Apenas servem para tirar a vida a jovens como aqueles dos anos 90 altura em que eu fui para a tropa que era obrigatória.

    A Espanha invade-nos em Meia Hora, e o Estado Islâmico em 5 minutos lololololololol

    A merda dos Generais, Capitães, e todos os oficiais já saíram à rua?! É tudo uma cambada de bêbados e parasitas da sociedade...

    Eles não servem rigorosamente para nada...

    Lamento, mas é um facto. Apenas servem para ganharem dinheiro do Estado sem nada produzirem

    Grande abraço amigo

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  4. É curioso o comentário do Francisco quando diz que eles não servem para nada, mas talvez saiba mais do que eu...tirando isso e falando com outra perspectiva, acho que infelizmente há limites para tudo, e no casos dos dois rapazes ele foi ultrapassado. Entendo que nesse tipo de "exercícios" os limites do Homem têm que ser testados, mas nunca ultrapassados.

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  5. Ora aqui está um assunto em que estamos de acordo pelo menos a 80%. Os comandos são uma força de elite e é-lhes esperado que possam aguentar as adversidades das missões que lhes sejam confiadas (não temos guerra mas temos cooperação internacional).

    A nível político muitas foram as barbaridades que ouvi da esquerda, à excepção do PC que teve uma posição muito correcta (jamais esperei dizer algo assim). Acabar com aquela instrução é o mesmo que dar azo a que se acabem um sem número de outras actividades/missões só porque existe a possibilidade dos soldados não aguentarem.

    É claro que deve ter havido algum exagero naqueles dias, mas também é certo que temos de preparar os nossos soldados para teatros de guerra mais complicados atmosfericamente. Refiro-me por exemplo ao Médio Oriente, onde a guerra deverá mais tarde ou mais cedo ser um teatro de operações internacionais a que as nossas forças armadas poderão ter que intervir.

    Quanto às leis de nada entendo, só sei que a Lei Militar é uma, a Civil é outra e há que unir as duas e analisá-las com o cuidado que se lhes exige para a situação que aconteceu.

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    1. Não sei em que é que não estaremos de acordo, porque não obstaste a nada do que eu escrevi. Eu frisei isso claramente: são uma tropa de elite e, nesse sentido, são treinados arduamente para morrer se preciso for. E são enviados para missões de paz, correcto.

      Bom, se suspendessem indefinidamente não seria inédito. Estivemos muitos anos sem cursos de comandos. Questiona-se a sua pertinência nos dias que correm. Sendo sincero, Portugal é um país europeu, desempenhando a diplomacia o papel que lhe compete. Longe vão os tempos em que resolvíamos os atritos com o envio de forças militares.

      Dizes bem. Temos um Código de Justiça Militar que, e segundo o enunciado no seu artigo 1.º, n.º 1, se aplica a crimes de natureza estritamente militar. O Código Militar, regra geral, regula os crimes praticados em tempo de guerra, as relações entre os militares e os crimes cometidos contra a Pátria. O Código Penal "comum" pode ser aplicado se outra disposição do Código de Justiça Militar não o contrariar, ou seja, pode haver lugar - não quer dizer que haja - à aplicação da lei penal "comum". Aliás, o Código Penal "comum" refere expressamente que as suas disposições podem ser aplicadas aos factos puníveis pelo direito penal militar. Ainda assim, quando me referi a tutela penal, não excluí a hipótese de se aplicar apenas direito penal militar. Direito penal militar não deixa de ser direito penal. Terão de ser articulados, até porque a parte geral do Código Penal "comum" é de extrema importância.

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    2. E pronto só restam 1% de discordância (só para me fazer "mula"). rsrsrs

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