7 de abril de 2016

A espuma dos tempos.


    Os últimos dias têm-se sucedido vagarosamente, alternando com picos de intensidade súbita. Sente-se a Primavera (com maiúscula, que embora partidário do Acordo Ortográfico, primavera assemelha-se à prima da Vera, que certamente será uma boa moça). Na casa da avó, o chilrear dos passarinhos já me acompanha pelas manhãs. A temperatura sobe gradualmente. As tardes são longas.

   Não fosse o falecimento da avó de uma prima, na passada semana, e só teria a pintar o quadro com serenas tonalidades. A senhora nada me era, directamente. Partilhávamos um laço de afinidade. Conheci-a de sempre. Tenho uma foto consigo à saída da maternidade. Em um mês, adoeceu, foi internada e morreu, atestando, uma vez mais, a nossa efemeridade.

     Estarei destinado a acercar-me das pessoas em momentos trágicos. Foi assim com o pai, em Fevereiro do ano passado, repetindo-se na quinta-feira, com esta dita prima. Havíamos cortado relações, por incompatibilidade de feitios. Não me demorei na igreja. O nosso afastamento levou, por arresto, a que perdesse o contacto com os seus pais e com a senhora sua avó. Quis, todavia, deixar assente que respeito a dor dos seus familiares mais próximos, e que não sou indiferente à partida de alguém que me embalou em seus braços, que me viu nascer, a bem dizer, e crescer.

     Olhando em redor, fui acometido pelo choque de perceber como todos estão envelhecidos. A avó paterna, magra, aparentando uma quase rigidez cadavérica, visivelmente debilitada; o seu filho, meu tio, portanto, fumador inveterado, com a pele estragada pelas décadas de hábitos tabágicos; à sua esposa, a idade não condescendeu, porquanto engordou, desfigurando por completo a imagem de jovem delicada que ainda perdura por algumas fotos que mantenho, guardadas, em casa.

      Como diz a música, fatalmente, «o tempo tem mais olhos que barriga».

18 comentários:

  1. Meus sentimentos sinceros meu amigo. São os percalços da vida aos quais nenhum de nós está imune ...

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Obrigado, caro amigo. Aceito os seus pêsames como que endereçados à minha prima, quem verdadeiramente sofreu com a partida desta senhora, que era sua avó.

      Tarde ou cedo somos confrontados com estas terríveis situações.

      um abraço.

      Eliminar
  2. Ah! o tempo!!!

    Ainda no final de semana reencontrei um grande amigo depois de longo tempo se nos vermos fisicamente... Fomos colegas de mestrado, surgiu naquela época uma grande amizade que mantivemos a distancia, por questões de trabalho cada um foi para um canto! Interessante ver como o tempo passou, quantas histórias aconteceram... Mas confesso que me encanta ver como apesar de tanto tempo, ainda no fim do café eramos eu e ele, como nos velhos tempos.

    O tempo não perdoa... e é preciso aceitar o desafio de não se furtar a aproveitá-lo, pois como você bem disse... somos tão efêmeros!

    Abraço grande meu amigo! Que a Primavera lhe traga boas surpresas :)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. O tempo!, esse impiedoso.

      A nossa personalidade consegue, frequentemente, escapar à sua fúria. Não raras vezes temos conhecimento de pessoas que mantêm extraordinárias capacidades, até intelectuais, mesmo quando o corpo já não obedece como outrora...

      um grande abraço, amigo Latinha. Que o Outono lhe traga boas surpresas também. :)

      Eliminar
  3. Paz à sua alma

    É neste momentos, que as pessoas caem na "dura" realidade em que não somos nada. De um momento para o outro já não estamos cá...

    Grande abraço amigo Mark

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. O que me incomoda é que começo a ver partir pessoas que, directa ou indirectamente, me estavam relacionadas.

      um grande abraço, amigo.

      Eliminar
  4. ontem, ao fim do dia, fui dar um bj a uma colega cuja mãe tinha morrido. o féretro estava na igreja de s. domingos de benfica. custa mais para quem já passou por idêntica situação.

    a primavera... :) é enganador, este horário de verão. quando olho pela janela do meu gabinete para o jardim, penso que ainda é cedo e, afinal, é tarde (hoje saí às 19,20...).

    bjs.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. A última semana não tem sido fácil, pelo que vejo. Tantas pessoas que conhecemos, ou que são próximas a quem nos é próximo, e que partiram.

      Sim, bastante enganador. Temos tendência a chegar mais tarde a casa. "Oh, tanta luz, vamos dar uma volta." Quando olhamos para o relógio, já é tarde.

      um beijinho.

      Eliminar
  5. Bem, é inexorável esta substituição de gerações.
    Como dizia o Sérgio Godinho, hoje é o primeiro dia do resto das nossas vidas.
    Quanto à primavera, bem, não me está a ser tão benéfica como usual, pois acordou um melro do ninho que possui nos marmeleiros do lado de fora do meu quarto, e impreterivelmente começa à bicada no vidro da janela cada manhã. E é bem pontual o danadinho! começa na sua função às 8 da manhã e acaba-a por volta das 9 ou 10h, depende ... sabe-se lá de quê.
    A conclusão da sua função não é lá muito pontual, alguns dias leva mais tempo a dar cabo da minha vontade de dormir, que entretanto já desapareceu; as horas de sono já não são muitas, como soavam ser (efeitos da idade!), pelo que este "turdus merula" (o nome científico é mau suficiente para lho poder chamar!) me está a dar cabo da paciência, qualquer dia faço um arroz com aves!!!! :-)
    Um bom final de semana
    Manel

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. «substituição de gerações»

      Curioso, nunca o tinha interpretado assim... Não deixa de ser uma verdade, crua, mas uma verdade.

      Oh, um melro. Eu costumo vê-los nos jardins. Negros, com o bico amarelo ou alaranjado. São bonitos. :)
      Efeitos da Primavera. Provavelmente terá as crias para alimentar. Já que alude aos melros, constato que ainda não vi andorinhas, o que é estranho.

      Obrigado, Manel. Um bom final de semana para si também.

      Eliminar
  6. Mark o título do teu post diz quase tudo, tomara eu ficar-me apenas pela espuma dos dias, mas eles teimam em meter água.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. No caso, na espuma do tempo, esse obstinado voraz.

      Eliminar
  7. Amigo,

    Bem sabes que eu tenho lá um apreço especial por vossos Patrícios! ehehe
    Mas brincadeiras a parte, tinha um amigo "Tuga" que gosta muito de música e que sempre me colocava a par do que acontecia por ai... Conheci Marisa, por intermédio dele... Paulo Gonzo, Pedro Abrunhosa, Jorge Palma (adoro Encosta-te a mim), Rita Guerra e por ai vai... depois a gente vai fuçando também! kkkk

    Um grande final de semana para ti! :)

    ResponderEliminar
  8. Ah! Não esqueçamos o Mickael Carreira ehehehe. ;)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Gosto do Pedro Abrunhosa, do Jorge Palma, do Paulo Gonzo... Qualquer um dos três tem músicas de que gosto muito. :)

      Fico feliz por saber que há amigos brasileiros que estão a par do que se produz deste lado do oceano.

      um grande abraço, amigo.

      Eliminar
  9. Com uma família enorme e a envelhecer à velocidade do tempo, já sei que falecimentos irão fazer parte do meu quotidiano num futuro mais ou menos breve. Não penso nisso esperendo, no entanto, que seja mais tarde que cedo.
    Força, amigo.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. A minha família, de um e do outro lado, é pequena e envelhecida. Também passarei por isso. A próxima dezena de anos será complicada...

      Obrigado, Goody.

      Eliminar